Os supostos benefícios de comer peixe
Escrito originalmente pelo Dr. Michael Greger M.D. FACLM a
14 de Março de 2019. Publicado originalmente aqui. Traduzido e adaptado por João Madureira.
Crédito da imagem: Pixabay
No histórico estudo Global Burden of Disease, os pesquisadores compilaram as
20 principais causas de morte e deficiência. Em 1º lugar estava a hipertensão
arterial; em 2º e 3º lugar estava o fumar; e em 4º lugar, não comer fruta
suficiente. Em 10º lugar, a inactividade física; seguida de demasiado sódio; reduzido
consumo de frutos secos e sementes; reduzido consumo de cereais integrais; e
depois reduzido consumo de vegetais. O nº 18 na lista das 20 principais referia-se
a não obter ácidos gordos ómega-3 de cadeia longa como DHA e EPA, encontrados
no peixe, tendo em conta os seus supostos efeitos protetores em relação à
doença cardíaca. Como discuto no meu vídeo O peixe será “alimento para o cérebro” para adultos mais velhos?,
mesmo há anos atrás quando o estudo foi publicado, os pesquisadores já estavam
a questionar os benefícios dessas gorduras dos peixes, à medida que cada vez
mais estudos controlados e randomizados os testavam e eles falhavam,
culminando na meta-análise de que falei no meu vídeo O óleo de peixe será apenas banha da cobra? que
pareceu arrumar o
assunto.
No entanto, a promoção institucional do consumo de peixe e de óleo de peixe
não foi apenas devida ao seu suposto papel de protecção cardiovascular. Também
tem sido dito que os ómegas-3 tratam a
depressão. Porém, tendo em conta os resultados negativos, parece não haver
benefício para a depressão major ou
para a prevenção do suicídio, como explorei no meu vídeo Consumo de peixe e suícidio.
E quanto a ómegas-3 para a prevenção do declínio cognitivo ou demência? Estudos randomizados e controlados não mostram benefício
para a função cognitiva com suplementação com ómega-3 em estudos que duraram de
6 a 40 meses entre adultos mais velhos saudáveis.
Por vezes, pode piorar as coisas. “Um consumo de peixe mais elevado pode prever um
desempenho pior em vários testes de rapidez cognitiva. Um consumo mais elevado
de peixe durante a infância pode prever uma velocidade mais lenta de percepção e
de reacção a escolhas simples.” Isto pode dever-se a contaminantes
neurotóxicos, como mercúrio, nos animais marinhos. Sabemos que o cérebro em
desenvolvimento é particularmente sensível aos efeitos lesivos do mercúrio, mas
talvez isso se aplique também ao cérebro em envelhecimento.
Isto explicaria alguns resultados que têm mostrado que níveis mais elevados de
ómega-3 estão associados a altos níveis de comprometimento cognitivo e
demência. Por exemplo, encontrou-se mais EPA (ácido eicosapentaenóico) em
pessoas com cognição comprometida, e mais DHA (ácido docosahexaenóico) em
pessoas dementes, presumivelmente por causa de poluentes como o mercúrio e os
bifenilos policlorados (PCBs) encontrados em animais marinhos, e que têm sido
relacionados com comprometimento cognitivo e doença de Alzheimer.
As mesmas funções cognitivas “prejudicadas
nos adultos, nomeadamente atenção, motricidade fina e memória verbal, são
semelhantes a algumas das que foram relatadas previamente em crianças com
exposições prenatais”. E os adultos expostos ao mercúrio através do consumo de
peixe, não só apresentavam modificações subtis nos EEGs (electroencefalogramas), mas
também “défices observáveis em medidas de desempenho neurocomportamental”, tais
como desempenhos mais pobres em testes de destreza e velocidade de motricidade
fina, para além de concentração, por exemplo. “Alguns aspectos da aprendizagem
verbal e da memória também foram afectados pela exposição ao mercúrio”, e
quanto maiores os níveis de mercúrio, pior eram os resultados.
No entanto, esse estudo foi feito a jusante de uma mina de ouro, em que se
utiliza um processo que usa muito mercúrio. Que tal uma população mais normal? Estudou-se
“um grupo de elite de participantes com boa formação” — a maioria era formada
por executivos empresariais como CEOs e CFOs –– que residiam na Flórida e eram suficientemente ricos para poderem
comprar tanto peixe que pelo menos 43% excedia o limite de segurança para
mercúrio da Agência de Proteção do Ambiente dos EUA. Os pesquisadores
verificaram que o consumo excessivo de peixe, que eles definiram como mais de 3
ou 4 porções por mês de peixes de boca larga como atum, pargo e robalo, elevava
os níveis de mercúrio e causava disfunção cognitiva, resultando numa diminuição
de cerca de 5% no desempenho cognitivo. Isto pode não parecer muito, mas é “uma
diminuição que ninguém achará bem-vinda, especialmente uma pessoa preocupada
com a sua saúde e orientada para alcançar resultados”.
Se uma queda de 4,8% em capacidade funcional, devida a consumo excessivo de
animais marinhos, ocorre em adultos saudáveis com amplas reservas cognitivas e
altamente funcionais, a principal preocupação é que sejam necessários mais
estudos sobre se semelhantes níveis de mercúrio em indivíduos que já sofrem de
declínio cognitivo poderão resultar em declínios significativamente maiores”,
tendo sobretudo em conta que o declínio cognitivo, demência, e consumo de animais marinhos
estão a aumentar.
A deficiência de frutos é o factor de risco alimentar nº1? Vê: Inhibiting Platelet Aggregation with Berries.
E quanto aos esquimós? Vê Ómegas-3 e a ficção do peixe e dos esquimós.
Para mais relativamente à mudança das evidências sobre consumo de peixe e
doença cardíaca, vê o meu vídeo O óleo de peixe será apenas banha da cobra?
O maior risco da exposição ao mercúrio pode ser para as crianças, como
discuto em Mercúrio vs. Ómegas-3 para o desenvolvimento do cérebro e Quanto tempo esperar para desintoxicar do peixe antes da gravidez?
Outros vídeos sobre os contaminantes do peixe e a saúde dos adultos incluem
Peixe e diabetes e Consumo de peixe e suicídio.
O mercúrio não é o único contaminante neurotóxico do peixe e do marisco.
Vê: Alimentação e esclerose lateral amiotrófica (ALS) e ALS (doença de Lou Gehrig): à procura de respostas no peixe.
Com saúde
Michael Greger, M.D.
PS: Se ainda não o fez, pode subscrever os meus vídeos gratuitos aqui e ver a última apresentação de final de ano:
- 2016: Como Não Morrer: O Papel da Alimentação na Prevenção, Paragem, e Reversão das Nossas 15 Doenças Mais Mortais. (legendas disponíveis nas opções do filme)
Artigo traduzido por João Madureira. Lê o livro do Dr. Greger, "Como Não Morrer" (PT) ou "Comer Para Não Morrer" (BR). Em Portugal está também disponível um livro de receitas, também chamado "Como Não Morrer"
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